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A alegria e tristeza de terminar o “Norte-Sul”

6 October , 2019

Foram três jornadas tão absorventes e intensas que nos esquecemos de tudo e mais alguma coisa. Só pensámos nos momentos fantásticos que vivemos a atravessar Portugal pelo interior. E mais do que termos ido “à província”, quase perdemos o costume de conduzir em estradas asfaltadas. Porque o maior desafio do programa de 2019 do Clube Land Rover de Portugal foi levar uma caravana a percorrer perto de 950 quilómetros de Trás-os-Montes ao Algarve. Os percursos, quase sempre fora da estrada, foram tão belos que temos dificuldade em eleger o sector mais bonito. Ao alcançarmos Vilamoura, ao cair da noite de sábado, sentimos a alegria e tristeza de terminar o “Norte-Sul”…

Alegria porque esta foi uma experiência marcante, de tão agradável. O sentimento torna-se mais forte se sublinharmos que estivemos três dias “em serviço”. Só nós e o mecânico Luís Feliciano integrámos a caravana do “Portugal Norte-Sul” desempenhando as funções profissionais. Os elementos do Clube Land Rover de Portugal que estiveram envolvidos na organização, também se fartaram de trabalhar; mas não desta maneira. No entanto, tal como eles, entendemos que “quem trabalha por gosto, não cansa”; lá diz o velho ditado popular. E passar três dias a trabalhar viajando de norte a sul do País para acompanhar este passeio em todo terreno, foi uma alegria. E um privilégio!

A tristeza, essa sentimo-la pela dureza do re-despertar para a realidade do quotidiano. Acabou-se a festa e mesmo que não tenhamos esperado nem uma dúzia de horas para voltarmos a conduzir fora da estrada, a animação não é a mesma. Os cenários sim, são igualmente fantásticos. Mas sentimos a falta da enorme agitação que nos animou durante estes dias. Foram só três jornadas, mas chegaram para nos criar rotinas que, de repente, desapareceram; tal como as pessoas…

E o prazer de já sentirmos boas memórias!

O grupo de participantes no Portugal Norte-Sul 2019
JUNTO ÀS ÁGUAS DA BARRAGEM DE ALQUEVA, PERTO DA AMIEIRA, TODA A GENTE PAROU PARA UMA FOTOGRAFIA DE GRUPO. E QUE GRUPO! ENTRE CERCA DE SEIS DEZENAS DE COMPANHEIROS DE VIAGEM, A HARMONIA FOI PERMANENTE

Ainda mal nos tínhamos despedidos dos participantes e organizadores deste passeio e já nos passavam pela cabeça as memórias do “Portugal Norte-Sul 2019”. As mais fortes, claro, são as das jornada final, decorrida entre Reguengos de Monsaraz e Vilamoura a um ritmo de…passeio. Ora rolámos depressa pelas pistas de vista desafogada das planícies de Beja, ora parámos aqui e acolá, para esticar as pernas, para um petisco, ou para registar fotografias como as que mostramos.

Partimos bem cedo, a manhã ainda estava por acordar. E até sentimos algum desanimo por entrarmos num dia cinzento, como começou este sábado. No Campinho, a primeira aldeia que a caravana cruzou, depois de deixarmos Reguengos de Monsaraz, já havia gente pelas ruas. Talvez pela frescura do amanhecer, em contraponto com o calor da véspera? Daí até à Amieira foi um pulo e a estrada estava por nossa conta. Como se fosse feriado. Que até era…

Em cortejo até Alqueva: à barragem e à aldeia

Mal entrámos no estradão de terra que leva desde as imediações da Marina da Amieira, até à aldeia de Alqueva, uma dúzia de quilómetros mais adiante, formou-se uma densa cortina de poeira. Os 29 Land Rovers seguiam ainda quase colados e o pó mal deixava ver o caminho. Mas o cortejo durou pouco. Apenas o necessário para encontrarmos o amplo largo escolhido para a tradicional fotografia de grupo. E para que Rui Teixeira, o “homem do catering”, como já lhe chamavam, nos oferecesse o primeiro café do dia. E o saco com o “almoço”. Que sempre foi mais “almoço” que o dos dias anteriores, pois a sanduíche de queijo e fiambre solitária deu lugar a um par delas, com carne assada e folhas de alface. Um luxo!

Depois de pormos toda a gente a olhar para nós, como se fosse uma formatura militar, demos ordem para “destroçar”. E de repente estávamos praticamente sozinhos no meio do restolho. A vontade de enfrentar mais uns quilómetros de pistas era enorme. E ninguém acusava o cansaço. Mas quando chegámos à aldeia de Alqueva, parecia hora de ponta. O largo da igreja estava entupido com Land Rovers. E a esplanada do café em frente encheu-se com grupos de participantes; embora todos tivéssemos acabado de tomar café, onde não é suposto fazê-lo, no campo.

À porta da igreja na aldeia de Alqueva
O LARGO DA IGREJA DE ALQUEVA FICOU ENTUPIDO POR LAND ROVERS. AO TERMINAR O SEGUNDO PERCURSO EM TERRA, NÃO FALTOU QUEM SENTISSE A “GARGANTA SECA”, DE TANTA POEIRA. E O CAFÉ ALIVIOU INÚMEROS
PARTICIPANTES

Às voltas por Moura, Pias e o “reino do olival”

Ao olhar para a torre do relógio, demo-nos conta que acabavam de “bater” as nove da manhã. Pouco mais adiante, quando cruzámos o paredão da barragem, estavam a estacionar os primeiros autocarros com excursionistas. Pareciam todos avós, mas já vinham bem despertos, tão rápido que se esgueiraram no muro da barragem. Nem deram conta que os Land Rover passaram por ali?

Onde não passámos despercebidos foi em Moura. Era dia de feira e isso explicava o movimento tão elevado. Demos algumas voltas, mas aproveitámos o facto de muitos terem decidido parar, para nos adiantarmos. Até Pias, seguimos uma rota que nos levou a cruzar inúmeras vezes a antiga linha de comboio do Ramal de Moura. Desde Beja até Moura, o caminho de ferro estendia-se por 59 quilómetros, onde os comboios deixaram de circular em 1990. Hoje, logo à saída de Moura, os últimos vestígios da linha estão a desaparecer debaixo de um enorme olival, que em breve mudará para sempre a paisagem.

Onde ainda há poucos anos víamos apenas searas a ondular ao vento, agora somente temos uma imensa mancha verde, compacta, formada por milhares e milhares de oliveiras. Este cenário prevaleceu mesmo depois de voltarmos a atravessar o Guadiana. Na margem direita, tomámos o caminho, onde a antiga estação do comboio ainda continua de pé. Mas já não está perdida no meio da planície. Está rodeada por uma mancha verde-oliva!

Ribeira a caminho da estação de Serpa
POUCO DEPOIS DE PIAS, A PASSAGEM A VAU DESTA RIBEIRA, AINDA CHEIA DE ÁGUA, SURPREENDEU-NOS. POR BREVES INSTANTES, A POEIRA DEU LUGAR A SALPICOS…

Última passagem pelo Alentejo tradicional

Contornámos a aldeia de Quintos, para subir até próximo de Salvada; aqui nem entrámos. Pela inversa, não evitámos cruzar a aldeia de Cabeça Gorda, onde as ruas ainda são pavimentadas por pedra. As cabeças viraram-se à passagem dos Land Rover, ruidosos a rolar sobre a calçada, ainda para mais com pneus para todo terreno. Mas só parámos na Trindade, ainda mais a oeste. Porque a manhã estava quase no fim, era chegado o momento de abrirmos o pacote do almoço e provar a primeira sanduíche de carne assada.

As sombras foram bastante disputadas junto ao pequeno jardim de Trindade, pois, entretanto, o sol tinha despontado e o calor do meio dia lembrava-nos que estávamos no Alentejo. Que aqui nos revelava de novo o aspecto tradicional da região, com planícies a perder de vista, onde ainda se cultivam cereais. De quando em quando, a planura é rasgada por colinas, polvilhadas por sobreiros e azinheiras, algumas de porte tão grande que as imaginamos seculares.

O almoço foi riquíssimo. Sobretudo porque foi reforçado pela generosidade de alguns companheiros de viagem e de aventuras, que tinham montado mesa farta e insistiram que nos juntássemos numa degustação de queijos e enchidos. E mais algumas coisas, para ajudar a desembuchar e para não nos engasgarmos, de tanto rir das piadas…

Finalmente por terras algarvias, através do barrocal

Albernoa, Entrada, Castro Verde e Ourique assistiram ao desfile dos Land Rovers, na despedida do Alentejo. A tarde, cada vez mais quente, já ia a meio quando mudámos de região. Mesmo que não soubéssemos, teríamos percebido que já estávamos no Algarve quando a paisagem voltou a transformar-se. Agora, pela frente víamos colinas separadas por profundos barrancos, revestidas por mais árvores tradicionais.

Encontrámos os caminhos cada vez mais poeirentos. De tal modo que pareciam ter sido cobertos de farinha. E as bermas eram agora invariavelmente desenhadas por espessas fileiras de estevas, secas e queimadas pelo sol do verão que acabou de terminar.

Antes de subirmos ao Malhão e ao último ponto de encontro com Rui Teixeira, matámos a sede com uma água fresca, num café à beira da estrada. Diríamos que afogámos a sede, porque a garrafa esvaziou-se tão depressa que a dona do café ainda perguntou se já nos tinha servido? E enquanto isso, servia mais um bagaço a um velho cliente da casa, que de um trago secava o cálice. “É para matar o bicho”, disse-nos, como que a desculpar-se. Entretanto, junta-se à enorme mesa da esplanada mais uma cliente. É Alexandra, cozinheira de profissão, que em minutos quase nos conta a vida, desde que aos 16 anos foi trabalhar para Cascais. Antes que nos tornássemos amigos íntimos, voltámos a tomar lugar no Range Rover Classic de Frederico Gomes e subimos estrada acima, até ao Malhão.

A pista para Quintos
O BAIXO ALENTEJO ERA TINGIDO PELO AMARELO DAS SEARAS, MAS HOJE É TÃO VERDE QUANTO O LAND ROVER DISCOVERY DO CASAL MATEUS, UMA DAS RARAS EQUIPAS A TERMINAR O “NORTE-SUL” SEM TER FALHADO O PERCURSO.

Tudo começou ao jantar e assim terminou!

O Land Rover 90 de Teixeira, que em tempos serviu a missão Ifor, na Bósnia, já estava carregado e apenas aguardava instruções para se fazer à estrada, para a última ligação do passeio. Em vez de um café, como era costume, ofereceu-nos mais água e maçãs. Os caroços, deitámo-los pela serra, pois não faltam animais que os comam, ou terra onde possa nascer uma macieira.

Ao passarmos por Loulé a noite já estava a chegar. Os três dias de tranquilidade a participar neste passeio do Clube Land Rover estavam a chegar ao fim. E o regresso ao trânsito intenso da famigerada “Nacional 125” fizeram-nos perceber que estava a terminar o “Norte-Sul”. Tudo acabou às portas de Vilamoura, com um jantar pela noite dentro e as despedidas sentidas. Deixámos velhos e novos amigos com a promessa de regressarmos ao convívio, na primeira oportunidade!

Texto e fotos: Alexandre Correia


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